Para reverter impactos e riscos do aquecimento global, mundo precisa mudar trajetória de desenvolvimento

A urgência da ação climática no curto prazo e o aumento da ambição dos países para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e para a adaptação são fundamentais para reverter a trajetória do aquecimento global e dos impactos no longo prazo. A renovação do apelo dos cientistas para a ação imediata é a principal mensagem apresentada pelo relatório síntese do Sexto Ciclo de Avaliação (AR6) publicado nesta segunda-feira (20) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O documento resume o conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus impactos e riscos, e ações de mitigação e adaptação.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) integrou a delegação brasileira que participou da avaliação dos governos, que aprovaram linha por linha do Sumário do Relatório Síntese para Tomadores de Decisão durante a reunião na semana passada (13 a 17 de março), em  Interlaken, na Suíça.

“Ações de curto prazo vão se refletir no longo prazo. Isso é muito importante, pois se a janela de oportunidades não for aproveitada, as possibilidades futuras de redução do aquecimento global e de minimização de seus impactos ficam mais limitadas”, explica Diogo Santos, especialista no tema de impactos, vulnerabilidade e adaptação do MCTI que participou da reunião de avaliação final do IPCC.

O gráfico que ilustra as trajetórias de desenvolvimento (resiliente ao clima) que o mundo deve seguir, de acordo com as decisões e ações implementadas, demonstra o momento importante em que nos encontramos. Se houver ações rápidas e integradas no curto prazo, ainda é possível entrar em um caminho de baixas emissões e melhores condições de resiliência que permitam almejar uma maior sustentabilidade global no futuro. Se as decisões forem adiadas, trajetórias mais sustentáveis não serão mais possíveis.

“O relatório consolida as informações que foram apresentadas pelos grupos de trabalho e nos relatórios especiais. Traz as mensagens mais relevantes para subsidiar as políticas públicas, considerando os resultados dos diferentes relatórios deste sexto ciclo do IPCC, como a necessidade de integrar as agendas de mitigação (redução de emissões de GEE) e de adaptação com vistas ao desenvolvimento sustentável”, explica Santos.

O relatório também recebeu a contribuição de duas cientistas brasileiras. A ecóloga Mercedes Bustamante, que atualmente é presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), trabalhou como editora revisora do documento. A vice-presidente do IPCC para sistemas terrestres, Thelma Krug, é listada como autora e integrante do comitê diretor científico.

O documento direcionado aos formuladores de políticas está organizado em três tópicos: apresenta o estado e as tendências atuais; as mudanças climáticas, os riscos e as respostas de longo prazo; e as respostas que devem ser tomadas no curto prazo.

“O ciclo AR6 indicou os avanços da ciência na atribuição da mudança climática como vetor de eventos extremos, no aprimoramento de modelos e na avaliação de impactos, mas também de soluções”, explica Mercedes, que também participou da reunião de aprovação em Interlaken.

De acordo com a pesquisadora, o relatório síntese pode ser resumido em três componentes: urgência, gravidade e esperança. “[A urgência é que] não estamos ainda na rota para manter o 1.5°C, a gravidade [envolve] impactos distribuídos entre populações e ecossistemas, alguns com consequências irreversíveis em escala de centenas a milhares de anos”, afirma a cientista.

Segundo ela, o relatório também apresenta uma janela de esperança. “A janela de oportunidade ainda está presente com soluções que nos permitem reduzir as emissões à metade até 2030, mas para isso é preciso vontade política, cooperação, financiamento adequado e uma estrutura que considere equidade, justiça social e justiça climática.”

Emissões e a necessidade de aumento da ambição

O relatório reitera que a temperatura média global já está 1,1°C mais alta em relação aos níveis pré-industriais. As emissões médias de GEE entre 2010 e 2019 foram as mais altas em comparação com as registradas nas décadas anteriores.  Em 2019, as  emissões foram 12% mais altas em relação a 2010 e 54% se comparadas a 1990, muito embora a taxa de aumento tenha reduzido de 2,1% a 1,3% ao ano, entre 2010 a 2019. Os dados de 2019 indicam que 79% das emissões globais de GEE são oriundas dos setores de energia, indústria, transporte e construção, 22% têm origem em agricultura, florestas e uso da terra.

De acordo com o relatório, apesar da expansão das políticas e da legislação sobre mitigação, as emissões globais de GEE em 2030, conforme as contribuições determinadas nacionalmente (NDCs, na sigla em inglês) anunciadas até outubro de 2021, tornam provável que o aquecimento exceda 1,5°C durante o século 21, tornando  mais difícil limitar o aquecimento abaixo de 2°C. As políticas atualmente em implementação podem levar a um nível de aquecimento entre 2,2°C e 3,5°C até o final do século. Outro fator pontuado pelos cientistas no relatório é que há lacunas entre as emissões projetadas das políticas implementadas e as dos NDCs e os fluxos financeiros, que ficam aquém dos níveis necessários para atingir as metas climáticas em todos os setores e regiões.

O relatório síntese apresenta com alta confiança que reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa levariam a uma desaceleração perceptível no aquecimento global dentro de cerca de duas décadas, e também para mudanças discerníveis na composição atmosférica dentro de alguns anos.

Perdas são proporcionais ao aumento da temperatura média e ações de adaptação

O relatório afirma que cada incremento de aquecimento resulta em perigos que aumentam rapidamente. Ondas de calor mais intensas, chuvas pesadas mais frequentes e outros extremos climáticos elevam ainda mais os riscos para o bem-estar humano e para os ecossistemas. Em cada região, as pessoas estão morrendo de calor extremo. A insegurança alimentar e hídrica vem se agravando com o aumento do nível de aquecimento. Quando os riscos se combinam com outros eventos adversos, como pandemias ou conflitos, tornam-se ainda mais difíceis de administrar.

De acordo com o relatório, se o aquecimento global não for contido, as opções de adaptação viáveis e eficazes hoje se tornarão restritas e menos eficazes. As perdas e danos aumentarão, e os sistemas humanos e naturais atingirão os limites de adaptação possível. Os melhores resultados da adaptação podem ser obtidos por meio de planejamento flexível, multissetorial, inclusivo e de longo prazo, com a consideração de potenciais co-benefícios entre os diferentes setores e sistemas. Muito embora o planejamento e a implementação da adaptação tenham progredido, a intensificação de ações de adaptação é fundamental para reduzir a distância entre o que está sendo feito e o que é necessário fazer.

Sobre o Sexto Ciclo de Avaliação do IPCC

O IPCC publica avaliações científicas abrangentes a cada seis ou sete anos. O anterior, o Quinto Relatório de Avaliação, foi concluído em 2014 e forneceu o principal aporte científico ao Acordo de Paris. O Sexto Ciclo de Avaliação do IPCC integra seis relatórios divulgados desde 2015: três Relatórios Especiais e três contribuições dos Grupos de Trabalho do IPCC.

A contribuição do Grupo de Trabalho I para o AR6, ‘Climate Change 2021: the Physical Science Basis’ (2021). A contribuição do Grupo de Trabalho II, ‘Mudança Climática 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade’ (2022). O Grupo de Trabalho III apresentou ‘Mitigação das mudanças climáticas’ (2022).

O IPCC também publicou os relatórios especiais sobre questões mais específicas durante a Sexta Ciclo de Avaliação: Aquecimento global de 1,5°C (2018); Mudanças Climáticas e Terra (2019); e Relatório especial sobre o oceano e a criosfera em um clima em mudança (2019). Os materiais foram traduzidos para o idioma português pelo governo brasileiro para facilitar o acesso à comunidade de países de língua portuguesa. Todas as publicações podem ser acessadas no Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE) do MCTI.