[Entrevista] ODS 8: crescimento econômico sustentável e trabalho digno

O oitavo ODS articula, nas metas que promove, as esferas social, econômica e ambiental. Crescer é preciso, mas com qualidade de vida e sem degradar o meio ambiente. Cimar Azeredo, especialista em Mercado de Trabalho, é o pesquisador do IBGE responsável por coordenar as estatísticas ligadas a trabalho no ODS 8; João Hallak Neto, doutor em Economia, é o pesquisador que coordena os temas ligados ao crescimento econômico. Confira, na íntegra, a entrevista publicada na Retratos n.8, em que eles nos contam sobre o que o IBGE já vem produzindo para monitorar este ODS no Brasil.

Revista Retratos: Como o Brasil tem olhado para o tema do crescimento econômico em relação à preservação da qualidade de vida e dos recursos naturais?

Cimar Azeredo: Acho importante destacar que todo esse processo completa quase 50 anos, com início em 1972, por ocasião da 1ª conferência da ONU em Estocolmo para tratar de controlar o uso dos recursos naturais. No mesmo ano o Clube de Roma publica o documento Limites do Crescimento, deixando claro que o nosso modelo de desenvolvimento não estava de acordo com os nossos recursos ambientais disponíveis. E não podemos deixar de destacar a importância da ECO 92... ou seja, tem todo um histórico até chegar na trajetória do Brasil no cumprimento dos Objetivos do Milênio. Aí veio a Rio +20, onde o Brasil também tem, inegavelmente, um papel de destaque. Todo esse processo está baseado em três dimensões: econômica, social e ambiental, o que fortalece e torna o projeto muito mais completo. Em se tratando de crescimento econômico, isso faz a diferença: temos sim que gerar emprego, mas que seja baseado no trabalho decente, e nos preocupando com a saúde do planeta. E o fato de os países desenvolvidos também terem que dar conta dos objetivos nessa Agenda 2030 a torna mais completa com vistas ao crescimento sustentável, inclusivo e sustentado.

Retratos: O que a gente pode chamar de um crescimento econômico sustentado e sustentável no contexto brasileiro?

João Hallak: A meta 8.1 (que propõe crescimento econômico mínimo da ordem de 7% do PIB ) é, no nosso entender e também dos especialistas consultados, bastante ousada para o Brasil e para os demais países. Embora ousada, não significa que tal meta não deva ser perseguida ou mensurada, muito pelo contrário. Um crescimento econômico sustentado e sustentável deve alcançar níveis anuais positivos e que procure se aproximar deste número. Igualmente importante é que haja uma sequência consistente de taxas positivas de crescimento, o que, com uma adequada distribuição de renda – âmbito dos ODS 1 e 10 –   potencializaria o avanço no bem-estar da população. O crescimento econômico deve também ser sustentável em termos ambientais para as gerações futuras, não exaurindo os recursos naturais, nem gerando efeitos colaterais negativos para a biodiversidade dos países, como, por exemplo a contaminação das águas ou a poluição excessiva do ar.

Cimar: O crescimento econômico sustentado promove níveis mais altos de produtividade e inovação tecnológica. Para isso, é fundamental incentivar o empreendedorismo e a geração de emprego. O Brasil precisa investir em qualificação e ocupações tecnológicas para aproveitar o bônus demográfico (quando há, proporcionalmente, um maior número de pessoas em idade ativa aptas a trabalhar): temos 50 milhões de jovens, muitos no desemprego, enfrentando as barreiras da falta de formação, de qualificação e de experiência. Precisamos aproveitar esta força de trabalho.

Retratos: Quais são as atribuições do IBGE em relação à Agenda 2030 e ao ODS 8?

Cimar: O IBGE tem um papel de protagonismo na agenda 2030 desde sua concepção, definição das metas e indicadores, e até na disseminação no Brasil e junto aos países da América Latina. No ODS 8 temos a PNAD Contínua como uma das principais fontes de informação. Estamos falando de uma das pesquisas mais atualizadas no mundo em relação à 19ª Conferência Internacional dos Estatísticos do Trabalho (Ciet). Somos referência mundial e temos atendido várias solicitações de cooperação técnica de diversos países. Utilizamos a PNAD anual como instrumento para levantar informações sobre trabalho forçado, por exemplo, e agora vamos aplicar esta experiência, novamente, na Pesquisa Nacional de Saúde. O Brasil/IBGE vai sediar a reunião preparatória para a 20ª Ciet em que o tema será trabalho forçado.

Com relação à informalidade, tema presente entre os indicadores do ODS 8, está sendo levantada na PNAD Contínua. Além disso, estamos planejando ampliar a investigação, introduzindo perguntas relacionadas ao microempreendedor individual (MEI) com apoio do Sebrae. Estamos também atentos às mudanças da Classificação Internacional de Situação do Emprego (Cise). Estamos acostumados a nos planejar para o curto prazo, sempre com o foco nas crises e problemas econômicos atuais. Quando trabalhamos com uma agenda como esta, na qual o crescimento econômico está baseado em um planejamento de longo prazo, é uma mudança de paradigma, e temos que nos organizar para isso.

Retratos: Esse ODS também fala de turismo sustentável. Como serão trabalhados dados sobre o assunto?

João: Os resultados econômicos das atividades turísticas, o que simplificadamente por vezes é chamado de “PIB do turismo”, serão obtidos por meio da elaboração da Conta Satélite de Turismo, a partir da parceria do IBGE com o Ministério do Turismo. Tal conta apresentará o detalhamento das atividades econômicas que desenvolvem turismo no âmbito do marco central do Sistema de Contas Nacionais do Brasil. Temos assim dois desafios para a obtenção deste indicador, um que será delimitar e mensurar em termos econômicos as atividades turísticas, e outro, ainda maior e mais complexo, que será obter os resultados para um subgrupo deste, o turismo sustentável. Esta definição, que envolve, entre outras dimensões, o desenvolvimento da cultura local como produto turístico, ainda é objeto de debate nos fóruns internacionais dos ODS no âmbito da Agenda 2030. Portanto, há que se aguardar quais critérios internacionalmente acordados serão considerados antes de se concluir o plano de trabalho de obtenção deste indicador.

Retratos: Um dos temas recorrentes nesse Objetivo é o trabalho decente. De que se trata?

Cimar: É tema central deste ODS. O Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo, temos problemas graves de discriminação para inserção no mercado de trabalho com relação a gênero, cor/raça, deficiência. Nossas pesquisas mostram que temos mais de 12 milhões de desempregados, a maioria formada por mulheres, pretos ou pardos e jovens. O fantasma do trabalho infantil, apesar da redução apontada pelas pesquisas, ainda está presente no país. Ainda temos crianças e adolescentes submetidas às piores formas de trabalho. O trabalho decente se baseia na geração de empregos produtivos e de qualidade, na extensão da proteção social e no fortalecimento do diálogo social. Ou seja, a promoção do trabalho decente propõe não somente medidas de geração de trabalho e de enfrentamento do desemprego, mas também de superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras, degradantes.

Retratos: A parte relativa a apoio às instituições financeiras e comércio: como se insere no contexto brasileiro? 

João: O Brasil possui um sistema bancário bastante desenvolvido e com extensa capilaridade, como demonstram os recentes relatórios de inclusão financeira do Banco Central do Brasil. Além dos diversos pontos de atendimento espalhados pelo território nacional, em que os bancos públicos aparecem como destaque, cerca de 85% da população de 15 anos ou mais possuem a titularidade de contas de depósito ou de ativos financeiros administrados pelo sistema bancário. Estes são justamente os dois indicadores selecionados para o acompanhamento da meta 8.10. Para a inclusão financeira plena é necessário que a população tenha acesso e faça uso, de maneira simples, equilibrada e consciente, de serviços financeiros que tragam ganhos de bem-estar ao cidadão, de maneira conveniente e por preços acessíveis. Neste contexto, a integração da população ao sistema financeiro é vantajosa, seja por meio da realização de transações bancárias entre unidades mais facilmente, ou da obtenção de empréstimos e financiamentos específicos que geram investimento e ganhos de produtividade para as unidades produtivas. Uma preocupação que poderá ser avaliada por meio dos indicadores da meta 8.10 é se, por exemplo, o aumento da desocupação e da informalidade no mercado de trabalho brasileiro ocasionou um retrocesso nos indicadores nacionais de inclusão financeira.

 

Da Revista Retratos (1/2/2018)